Se a luta perene entre luz e trevas é um tema básico da mitologia em geral, na própria estrutura da narrativa mítica se encontra essa paradoxal unidade de clareza e escuridão, de algo que se oculta ao mesmo tempo que se mostra, como o universo que habitamos, vasto e interminável jogo de esconde-esconde. Mitos são histórias contadas para desvendar mistérios, mas fazem parte de um saber cultivado pelos antigos que é secreto em grande parte. Saber iniciático reservado a poucos, o mito fala por símbolos e enigmas, por imagens e parábolas — para entreabrir, não para escancarar. Em narrativas muito além de apenas fantasiosas, os mitos explicam sem dizer tudo. Como os apocalipses, eles são feitos para revelar, tapando. Politeísta, a religião dos orixás concebe seus deuses e deusas como seres sobrenaturais bastante parecidos com os humanos. Ao narrar as cenas vividas pelas divindades, a mitologia iorubá nos segreda sentidos vitais que ela própria encobre enquanto descobre.
Mitologia dos orixás é um livro extraordinário, cheio de histórias surpreendentes. É a mais completa coleção de mitos dos deuses iorubás já reunida, a mais abrangente jamais publicada. São 301 os episódios coligidos, nem um só a mais. No antigo sistema iorubá de enumeração, 301 é um número que representa o sem-número, a quantidade sem conta, um número incalculável, a perder de vista. Só um pesquisador minucioso e incansável como Reginaldo Prandi, sociólogo da USP, poderia rtos brindar com uma obra dessa grandeza, exaustiva façanha de investigação em fontes escritas e orais. É um belo livro, para todos. E para os estudiosos, académicos e produtores culturais, uma referência obrigatória.
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